15 de ago. de 2009

margens plácidas

há uma margem amordaçada
onde brada um tácito grito
estancado no peito
retumbante e varonil
um estampido que ressoa
de forma subversiva
nos corações e mentes
condicionados aos subterrâneos
d’uma liberdade qu’ainda tardia
porque plácidas são as faces ocultas
que assistem apáticas
ao delapidar de um povo
e ao postergar d’uma nação
não a placidez da tranqüilidade
da omissão calculada
mas a placidez da impotência
da marginalidade
da letargia
e do estado tumular
de nossas esperanças

há que se alimentar a fé
e se amamentar o sonho
masturbar-se de versos
e engravidar-se da poesia
que se carrega nas entranhas
e escorre nas veias
nos viadutos nas frestas
e nas esquinas do país
há que se rumar
em direção à estação prometêica:
resisto e insisto!
há que sangrar o peito
e romper as grades
ousar o novo
carnavalizar o povo
e libertar o grito
com um instigante brado:
independentes ou mortos!

(José Edward, IN "Pátria Que Pariu! & Outros Poemas")

13 de jul. de 2009

A foto-poesia de Lilo Clareto

Mineiro, radicado há vários anos em São Paulo,
o repórter fotográfico Lilo Clareto demonstra
nos versos & imagens a seguir
sua roseana verve poética

Repórter Fotográfico

Você viu o brilho da dor nos olhos das pessoas.
Você sofreu com elas.
Você pisou nas cinzas, na brasa e respirou
a fumaça do incêndio. Você sentiu o cheiro da morte
e quase pisou na poça de sangue.

Você tropeçou no cadáver
e quase levou um tiro. Você estava no confronto.
Você ouviu os gritos nas entranhas da rebelião.
Você contou os mortos.
Você levou porrada da polícia
e foi ameaçado pelo traficante.
Você esteve no coração do lar
daquela família dilacerada pela violência.
Você viu de perto a fome e o desemprego.
Ninguém melhor que você sabe o significado físico
da miséria , da exclusão social, da má distribuição de renda.
Porque você esteve também em banquetes nababescos.
Você desceu as ruas da favela e subiu nos elevadores da FIESP.
Você sabe o que é Brasilândia, Jardim Ângela, Sesc Itaquera
e sabe o que é Leopoldo, Fasano e Credicard Hall.
Você viu muito bem onde foi enfiado o dinheiro dos impostos.
Você provou um pouco da vida de quem tem muito,
muito mais do que necessitaria ter . Você comeu caviar.
Você viu a luz na expressão do artista
e desejou a boca, as pernas, os seios da modelo.
Você se excitou. Se duvidar, você a amou.
Você fitou o semblante do homem santo,
você orou com a multidão. Você foi quase santo.
Você quase beijou o umbigo da passista
e sambou na avenida. Foi pagão entre pagãos.


Você aprisionou a alma do Ianomami
e ainda tem sua alma presa em uma aldeia.
Você viveu a glória das vitórias e o desespero das derrotas.
Você esteve sempre ali, na cara do gol.
Você ensurdeceu com o ronco dos motores
e aspirou o cheiro de combustível nos cock pits.
Você chorou com toda aquela gente a morte do campeão.
Você estava lá quando o povo foi para as ruas
e derrubou o presidente. Você se misturou aos cara pintadas.
Na festa democrática das eleições
você também estava lá. E se emocionou.
Você se angustiou com a dor das diferenças ,
com a tragédia das fatalidades . Você sofreu.
Você bebeu o riso das grandes euforias
e pôs nos olhos os brilhos das apoteoses. Você viveu!

Você vive muito! Você vive intenso !
Por isso você bebe. Você fuma, ri alto,
protesta, provoca, faz festa.
E é tachado de maluco, transviado, inconseqüente,
alucinado, irresponsável, inconveniente...
Também assim chamam os poetas.
Por isso não ligue para os humores daqueles
que não te entendem e, sentados atrás da mesa,
na frieza dos monitores e do ar condicionado,
arautos do dead line aguardam, impacientes, sua foto.
Entenda: Eles só podem viver depois do fechamento ...

(Poema & Fotos de Lilo Clareto)

17 de jun. de 2009

Naturalmente aqui não começa...
Palavras não são, a gosto, augustas.
Não dizem tudo, deixam pistas.
São presas indóceis da liberdade,
sibilantes flechas nos olhos da síncope.
Criando-se coisas novas – como reza o poeta –
é que se cria a liberdade.
Desbravar sendas é preciso,
em direção ao contemporâneo e à novilíngüa,
mesmo sabendo que o novo não valerá o velho.
Estabelecer a dial-ética de óperas abertas,
sem navegar pelo pântano de vanguar-disse-me-disses.
Hei que no Hipotrélico a palavra é. Do irreplegível.
Sem metáforas, mas com roseanas desideratas.
... nem por aqui termina.

Nossas B.R.U.A.C.A.S.
(assunta só!):
ROSA-RIOS
Excertos da hipotrélica literatura
de João Guimarães Rosa
ROSEANAS
Textos sobre o mágico universo roseano
e/ou que remetem a ele
TUTAMÉIAS
Versos & prosas das lavras de
Getúlio Maia & José Edward
VEREDAS
Dicas de obras & eventos
culturais imperdíveis

Fui Sabendo de Mim


Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Mia Couto,
in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

16 de mai. de 2009

margens pérfidas

somos todos seres reais e imaginários
atávicos e utópicos sincréticos e semiológicos
vivemos do que fomos e para o que seremos;
em todo ser há uma margem a fecundar as veias poéticas
mesmo nas pátrias prostituídas por impávidos colapsos
ou gigantes relapsos pela vil avareza

a gravidez do poeta na pátria que se traiu é augustiante
na introspecção o bardo engole o mundo
e rumina este e outros campos, à margem da margem
eis que lírico, épico e onírico se entrelaçam
numa inocência que desafia a esperança
numa cólera que desanima e espanta o medo

do cordel umbilical emerge um caleidoscópio
um exército de robôs rambos rumbas & rimbauds
numa ópera bufa que beija o dramático
o sentido de realidade do mundo floresce
na calidez da paixão e fenece
no inferno das boas intenções

o cotidiano dá o mote
cordelizado e panfletário;
o verso-bala zune de forma contundente
irrompendo a placenta do niilismo
um brado óbvio e ululante se materializa no ar
numa sumária condenação: o rei é pérfido!
e o governo, um zero à esquerda;
eis que da indignação cáustica e guerrilheira
brota o reino da iracúndia

José Edward (IN "Pátria Que Pariu!")
Foto: Manoel Marques

5 de mai. de 2009

Tudo é Grande Sertão

"...porque tudo que invento já foi dito, nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus e as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão."

Adélia Prado,
apud Maurício Lara, n'O Estado de Minas, de 15/11/08 - Caderno Gerais, página 20


29 de set. de 2008

Centenários - Rosa e Machado


O MESCLA - Núcleo de Pesquisa de Literatura, Memória e Cultura, o CEL - Centro de Estudos Literários e o PÓS-LIT - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais irão realizar, de 29 de setembro a 02 de outubro de 2008, o CONGRESSO INTERNACIONAL CENTENÁRIO DE IMORTAIS: MACHADO DE ASSIS E GUIMARÃES ROSA, por ocasião do centenário de falecimento de Joaquim Maria Machado de Assis (em 29/09/1908) e do nascimento de João Guimarães Rosa (28/06/1908).
Veja a programação completa:
http://www.letras.ufmg.br/site/Programa001.pdf

18 de ago. de 2008

Semana Cultural Guimarães Rosa

Do dia 18/8 ao dia 22/8 haverá uma série de palestras, na Academia Mineira de Letras, situada na Rua da Bahia, 1466, Lourdes - Belo Horizonte, para comemorar o centenário de nascimento do Acadêmico Guimarães Rosa.


Programação completa

Dia 18/8
Abertura pelo Acadêmico Cícero Sandroni - Presidente da Academia Brasileira de Letras
Palestra da escritora Vilma Guimarães Rosa e lançamento do livro "João Guimarães Rosa, meu pai"
Dia 19/8
Palestra da Professora Letícia Malard: "O Rio São Francisco em Grande Sertão: Veredas"
Dia 20/8
Palestra da Acadêmica Carmen Schneider Guimarães: "Corpo de Baile: de Miguelim a Miguel"
Dia 21/8
Palestra do escritor Alaor Barbosa: "João Guimarães Rosa: a melhor epopéia".
Palestra do escritor Marco Aurélio Baggio: "A inquietante estranheza em: a terceira margem do rio"
Dia 22/8
Palestra da Professora Ângela Vaz Leão: "Sagarana: anúncio e amostra de uma revolução literária"

jequitibá

pudesse voltar no tempo
e da cumeeira da serra
divisar
a mata silenciosa
cobrindo todo o vale,
eu,
jequitibá,
imberbe,
banhando-me na garoa
de mais um dia
de uma eterna
primavera

Getúlio Maia - 2005

11 de ago. de 2008

mil coisas

todo homem é camaleão
muda de cor e se conforma
no meio da multidão
às vezes se veste de ético
para no minuto seguinte
praticar um ato herético
vivemos todos
no meio de um cínico
jogo de interesses
ao sabor de nossas
próprias conveniências
por melhores que sejam
suas boas intenções
o homem será sempre
— como ensina Ortega y Gasset —
ele e suas circunstâncias

(José Edward)